Na frente da minha casa tem uma mata.
O terreno não me pertence, mas, mesmo
assim, preservo limpa uma área, aproximadamente, uns de dez metros quadrados,
para inibir as visitas dos "vizinhos", como as cobras, as aranhas e
outros bichinhos que já vieram na minha casa antes.
Trata-se de uma mata da aeronáutica
e, mesmo sabendo da proibição do acesso, eu faço essa limpeza. Mas mantenho
todo o cuidado de não provocar outra modificação no ambiente. Faço isso desde
que comprei a minha casa, há mais de cinco anos. Recebi essas instruções da
antiga proprietária.
A área limpa fica embaixo de um
cajueiro de folhagens ralas e cajuzinho miúdos e também de um pé de mangaba.
Ambos ficam carregadinhos de frutas na época. Essa é a visão privilegiada que
tenho da janela do meu quarto.
Neste sábado pela manhã, enquanto
varria o terreno, uma experiência da infância me veio na memória. Lembrei-me
que quando criança eu ia passar as férias no sítio dos meus avós que era
cercado de grandes mangueiras e outras fruteiras. Lá, eu reparava que,
diferentemente do interior do sítio, o espaço que ficava mais próximo da casa
era impecavelmente limpo. Uma areia branquinha, como uma praia, surgia embaixo
das grandes mangueiras. O cenário era diferente do restante do sítio, que era
cheio de matos e folhas. Eu achava aquilo, simplesmente “mágico”.
Que sorte tinha a minha avó, pensava
eu, um terreno maravilhosamente limpo e branquinho cercava toda a sua casa.
Muito convidativo para brincar; pendurar balanços; descansar na sombra e até
fazer algum tipo de trabalho em baixo das árvores. Uma maravilha.
Muito tempo depois eu descobri que o
terreno aparecia limpinho não por uma mágica, como eu pensava. Descobri que a
minha avó acordava bem cedo, antes ainda do sol nascer totalmente. Ela ia
curvadinha, com uma vassoura feita dos cachos de açaí e varria todo aquela
imensidão de terreno, deixando exposta a areia branquinha que recebia as
pessoas que, como eu, chegavam lá depois.
Ainda imbuída nessa lembrança,
continuei o meu dia pensando em quantas pessoas, passando por esse terreno que
limpo agora, tem a ilusão de que está assim por uma mágica da natureza. A
certeza desse pensamento me veio depois. Confirmada em um episódio, no mínimo
perturbador.
Quando eu terminei a limpeza do
terreno e vim para dentro de casa dar inicio a faxina interna, passei por acaso
pela janela do meu quarto e observei que havia pessoas plantando no local que
eu limpara há poucos minutos atrás.
Por certo, aquelas pessoas pensaram
estar diante de uma mágica encontrando um terreno limpinho, pronto para ser
usufruído. Esse pensamento me veio de imediato.
Essa situação me levou para uma
reflexão de que coisas assim acontecem o tempo todo nas nossas vidas, em
diversas situações.
Casos como dos profissionais que ao
chegarem ao local novo de trabalho, valorizando por extremo a sua competência,
ignoram o “terreno que outros limparam” para tornar possível o sucesso do seu
trabalho.
Têm também aqueles filhos que
alcançando um nível elevado no espaço social ignoram que não conseguiriam se os
seus pais, ou outros, não lhes tivesse antes oferecido um “terreno limpo” para
caminhar.
Semelhante ainda é o olhar
invejoso que se lança sobre o sucesso do outro. Avaliando somente o
produto final, ignorando o trabalho que aquele tivera “limpando cuidadosamente
o terreno” para chegar a esse ponto.
Penso que, em qualquer terreno que
chegarmos, devamos valorizar os que estiveram antes. Os que arrancaram os matos
e afastaram as folhas para expor a areia branquinha que encontramos agora.
Mesmo se as chuvas e o vento já tiverem desmanchado o trabalho feito. Se
observarmos direito, veremos que há algo de diferente entre aquele terreno e os
outros que nunca foram limpos ao menos uma vez.
Quanto ao problema do terreno em
frente a minha casa, eu tentei resolver com um diálogo. Embora, o limite de
alcance do meu discurso tenha esbarrado no caráter individualista já formado e
apesar de ter me deparado com alguém sem a insensibilidade para perceber que o
segredo da mágica do terreno limpo era o meu trabalho, acredito que alguma
coisa nós aprendemos nesse dia.