Eu
me poupo de assistir a esses programas pseudojornalísticos, de caráter meramente
sensacionalista, porque não suporto mesmo os hipócritas discursos inflamados de
seus apresentadores. Não vou me deter em
justificar essas minhas acusações e, ainda por cima, acrescento que, considero
desrespeitosas as imagens chocantes que eles apresentam.
Todavia,
não posso deixar de concordar que eles veiculam de verdade a realidade “nua e
crua” da nossa sociedade. Ou, pelo menos, da parte podre dela.
Ontem,
por acaso, assisti por uns dez minutos a um desses noticiários. Foi o tempo
suficiente para ver ao vivo e em cores dois assassinatos registrados, em um
único dia, em São Paulo, por câmeras de seguranças. A leviandade e a frieza com
as quais se tiram a vida humana estavam lá, claramente expostas, e repetidas
dezenas de vezes sob os gritos teatrais do apresentador. Ele, ainda fazia questão
de confirmar que estava certo na sua previsão: - Eu bem que avisei... – Dizia ele
referindo-se a sua afirmação de que o sábado, 12 de abril de 2014, seria
extremamente violento na cidade de São Paulo.
Este
mesmo programa também mostrou, nesses dez minutos em que eu assisti, a prisão
de alguns bandidos responsáveis por atos de extrema crueldade com as suas vítimas.
O pior deles, se é que pode haver alguma classificação em atos desumanos,
tratou de um jovem perito em praticar assaltos a idosos e, utilizando as
palavras do apresentador “Deixar a sua assinatura” quebrando o nariz do idoso
que ele assalta.
Sobre
esse caso, a minha filha fez uma constatação muito pertinente, dizendo que uma
criatura dessa chegou ao topo da indiferença com o outro ser humano. Não há
mais nele nenhum tipo de sentimento de empatia, nenhuma referência de
compreensão do outro ou de compaixão.
Pergunto
- O que pode ter acontecido na vida de uma pessoa para torná-la “isso”?
O
apresentador, na sua “demonstração de ira e indignação”, declarava que – “São
pessoas que já nascem com a genética do mal!”. Embora saibamos que existem caso
de psicopatologias provocadas por algum tipo de deficiência no cérebro, é
comprovado que, na maioria das vezes, o desenvolvimento desses distúrbios
ocorrem por fatores de ordem psicológica, ou seja, provocados por traumas e por
sofrimentos que de alguma forma essas criaturas estiveram expostas.
Reconhecer
essa construção psicológica que fabrica centenas de indivíduos violentos e
perversos nessa sociedade desigualitária, não significa dizer que “estamos
passando a mão na cabeça dos bandidos”. Significa reconhecer a culpa de todos
nós pela triste condição de vida social que temos hoje no nosso país. Não
somente nas capitais, mas também as pequenas cidades dos interiores, antes
refúgios de paz, hoje locais expostos à essa violência desenfreada.
E
onde está a nossa culpa? Está, principalmente, lá no princípio, no descumprimento
do mandamento cristão “Amar o próximo como a ti mesmo”. Nenhuma outra lei
precisaria ser criada se essa fosse realmente cumprida. Não se trata de
pregação religiosa, mas, de uma sabedoria repassada até nós que, independente
de crença ou fé, não pode ser negada a sua eficiência se considerada e
praticada por todos nós.
Mas,
“amar o próximo como a ti mesmo”, dito assim, sem detalhamento, pode parecer algo
muito subjetivo, passível de várias interpretações. Para mim, não. Para mim
está muito claro que se eu amar o próximo como a mim mesmo, jamais poderia me
considerar feliz tendo um teto para morar enquanto o meu próximo também não o
tivesse, ou qualquer que fosse meus bens tendo eu, faltasse a ele. Confesso sem
falsa bondade que não me sinto confortável passando sozinha em meu carro por
paradas lotadas de pessoas em situações totalmente desfavoráveis e até
desumanas.
O
que posso fazer? Acreditar que todo mundo merece ter um carro igual a mim,
ainda que não tenha o empenho e a luta que eu tive para adquiri-lo? Não. Não se
trata de forma alguma dessa opção. Amar aos outros significa permitir a todos
as mesmas oportunidades que eu tive, de família, de carinho, de cuidados, de
educação e, principalmente de amor.
Isso
é utopia? Falo de algo totalmente impossível para o mundo atual? Acredito estar
falando de algo totalmente difícil e complexo para se realizar em termos macros.
Porém, se cada um de nós, cada “pessoinha”, cada indivíduo assumir em pequenos
atos e até em grandes atos o exercício diário de observar os outros, de
compartilhar, de ajudar, de possibilitar oportunidades... As sementes irão ser
plantadas.
Aos
pais, uma lição: Não é suficiente garantir aos seus filhos boas escolas para
estar assegurar a sua educação. Boas escolas, em alguns casos, asseguram
somente os conhecimentos necessários para seus filhos estarem aptos para a
competitividade social. A educação dos filhos quem garante são os pais,
família, os adultos que estão envolvidos com a criança. A garantia da educação está, sabemos,
principalmente no exemplo, mais do que nas orientações teóricas.
As
escolas não podem ser responsabilizadas sozinhas pela educação total dos
indivíduos. Não adianta investir em educação escolar enquanto a sociedade estiver
falida, enquanto as famílias não forem parceiras das escolas e cobradas por
isso. A escola não é um lugar de milagres. Todavia, essa ainda é a instituição
que representa a principal coluna de uma sociedade. Se contar com a família, aí
sim, é possível acontecer a educação. E a família, por sua vez, só tem
possibilidade de contribuir com a escola se lhes for permitido ter as condições
de uma vida digna e tranquila.
Para
que uma sociedade deixe de fabricar bandidos é necessário primeiramente
desmistificar a crença de que bandido só nasce na pobreza. Isso seria verdade
se estivéssemos nos referindo a pobreza no sentido geral, não somente
econômica, mas de ausência de todos aqueles valores e condições que já falamos.
Está
claro que não é na pobreza econômica que nascem os que desviam os dinheiros públicos
que deveriam ser investidos na educação, na saúde e na segurança de nossa
sociedade. Eles são os “verdadeiros” bandidos que deveriam estar lotando as
cadeias. Ao invés disso, são reeleitos constantemente graças a “educação”
escolar que os permitiu desenvolver uma habilidade de discursos
inteligentíssimos, capaz de enganar até aos eleitores.
Finalmente,
penso que não adianta a hipocrisia de “amarrar bandidos ao poste”, de levantar
bandeiras para fazer justiça com as próprias mãos linchando esses infelizes.
Eles merecem sim, estar preso, junto com os “bandidos de colarinhos brancos”.
Aí, sim, feita essa faxina, a sociedade deve se empenhar em projetos de investimento
humano baseado na premissa de “amar o próximo como a ti mesmo”.
Mas,
não podemos esquecer que, apesar de tudo, eles, os bandidos, de todas as
espécies, são também os “nossos próximos” Assim, associadas às punições
merecidas, eles devem ter oportunidades reais e humanas de se regenerar.
(Ivana Lucena, 13/04/2014)
5 comentários:
En efecto, Ivana, la sociedad genera sus propios monstruos y nadie puede ser ajeno a esa responsabilidad, aunque son los poderes públicos los máximos responsables a la hora de tomar las medidas oportunas para evitarlo. Vivimos en un mundo que se ha transformado tristemente en un mercado financiero salvaje y el individuo se ha convertido en un valor a la baja. Los medios de comunicación dependen del poder económico y mantienen una liturgia sumisa y connivente.
Me agrada tu forma de analizar el mundo y me satisface enormemente contar con tu presencia. Muchas gracias por tu comentario.
Un cordial abrazo.
Olá Ivana!!! Ótimo texto...peço que você permita que eu possa compartilhar no meu blog,ok!!!
concordo totalmente com a tua abordagem humanista. e simplista dizer que bandido bom é bandido morto, e tb não minimizo o mal, todavia somos parte desta sociedade doente. bjs
A nossa revolta parece infrutífera mas, em nome da dignidade humana, temos que insistir, insistir sempre...
Ivana, gosto da forma como escreve, de como exerce o seu papel de cidadã.
(Espero que me perdoe só aparecer agora por aqui)
Beijo :)
Eu fico realmente feliz quando encontro comentários por aqui. Quero agradecer ao Javier, ao Juliano Carvalho e a Jeanne Geyer por contribuir com as suas opiniões.
E dizer a Juliano que é claro que sim,claro que você pode compartilhar no seu Blog qualquer texto meu. É uma honra pra mim e eu é quem agradeço.
Um abraço, amigos.
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