Viajava
de um bairro para outro da cidade, dentro de um transporte coletivo. Apenas o meu
corpo encontrava-se sentado naquele banco, a mente vagava em outras dimensões
conduzidas pela indignação da minha ida obrigatória à missa em homenagem a
governadora, a quem, a meu ver, não estava muito merecida de tal manifestação.
Meu
estado de “sonhando acordada” foi despertado por muitos gritos que vinham da
parte do meio do ônibus. Eu estava na parte de trás. Só nesse momento observei
que o ônibus havia parado. Eu, sem nenhum tempo para refletir sobre o que
estava acontecendo, corri em direção ao lugar para onde as pessoas estavam
olhando.
Eu
nunca fui uma pessoa curiosa a ponto de me atrair por qualquer coisa que
parecesse escandalosa. Então, com certeza, não foi a curiosidade que me moveu
até lá. Na verdade, estou certa de que não foi uma decisão muito da ordem do
consciente, foi algo mais intuitivo.
Tudo
aconteceu rápido demais e as minhas ações não pareciam guiadas por reflexões. Não
eram atitudes previamente planejadas, eu fazia simplesmente “o que tinha que
ser feito”.
Do
local onde estavam dirigidos todos os olhares, eu vi sobre os braços de uma
jovem um bebê e notei que alguma coisa errada acontecia com ele. Deduzi que a
jovem era a sua mãe e observei que ela gritava desesperada. Vi que a criança
estava tendo algum tipo de ataque, de convulsão. Sem hesitar, arranquei a
criança dos seus braços e orientei de forma decidida que me seguisse.
Desci
do ônibus, pela porta traseira, carregando a criança, seguida pela jovem que
realmente era a mãe da criança e outra senhora que carregava algumas bolsas,
depois soube, que era a avó do bebê. O ônibus continuava lá parado, com todas
as pessoas, certamente, olhando atônitas para aquela cena que acabara de
participar.
Assim
que desci, parei imediatamente, acenando com a mão, o carro que vinha atrás do
ônibus, falando alto e rápido, expliquei ao motorista que iríamos para o pronto
socorro do Hospital Walfredo Gurgel. Não estávamos próximo, mas também não era
muito distante do local em que nos encontrávamos no momento.
Enquanto
falava, ainda com a criança no braço, abria a porta do carro e empurrava a
cadeira, sentei-me no banco de trás, orientando o tempo inteiro que entrassem,
a mãe do bebê ficou do meu lado e a senhora, sua mãe, sentou-se junto ao
motorista, fechando a porta.
No
caminho até o hospital, o motorista e a avó da criança permaneciam calados,
atentos para a estrada e o trânsito. No banco de trás a criança desfalecia em
meus braços, agora sem os ataques convulsionais. A jovem mãe, chorava,
recusando-se a olhar para o filho, repetindo – O meu filho está morrendo! ... O
meu filho está morrendo!
Naquele
momento, como durante toda a situação, embora tivesse ações rápidas, eu continha
calmamente o meu sentimento. Acalentando a criança, que respirava mais
tranquila no meu colo, embora sem cor alguma na face. Tranquilizava a mãe
dizendo – Calma, minha querida, está tudo bem agora. Seu filho teve uma
convulsão e isso é normal acontecer em caso de febre. Ele está bem e logo
estaremos no hospital. Vai dar tudo certo. Não se preocupe.
Quando
chegamos no hospital, descemos imediatamente em direção ao pronto-socorro. Nem
me recordo de haver ao menos olhado para o motorista que nos trouxe, que dirá
agradecido a ele o favor. Passei a criança para os braços da mãe e empurrei
ambas para dentro da porta de acesso aos médicos, enquanto continha a
recepcionista que insistia na necessidade de “preencher a ficha de entrada”.
Deixei a avó preenchendo a ficha. Despedi-me dela de forma breve, sem tempo
para saber nenhum outro detalhe a seu respeito ou deixar qualquer informação
que me identificasse. Nem me lembrei dessas coisas. Lembrei-me apenas de
orientá-la, quando me falou que o bebê estava com febre desde a madrugada e que
elas haviam voltado para casa da parada do ônibus, porque naquela hora não
passava nenhuma, a ligar para a SAMU, caso ocorresse outra situação semelhante.
Pedi a moça do hospital que a orientasse melhor sobre isso e saí dali para continuar
o meu caminho.
Já
dentro do outro ônibus, que me levaria para o meu destino inicial daquele dia,
sentada novamente encostada na janela, eu não conseguia mais conter a emoção
por tudo aquilo que se passou. O choro veio descontroladamente. Uma sensação de
gratidão me invadiu inteira. Como eu estava agradecida por ter colaborado com
aquela missão.
Não
me senti grande, mas importante instrumento de auxilio. Eu acabara de ser a
mais beneficiada de todos e não entendia o meu merecimento para isso.
Entendi
que não há nada de especial em mim para fazer essas coisas, qualquer um faz e
muita gente já deve ter tido experiências semelhantes. O único pré-requisito
para que isso ocorra é está disponível para ajudar.
Compreendi
também que a minha indignação em ser obrigada a ir à missa da governadora, me
vendava os olhos impedindo de enxergar que ir a igreja poderia se uma boa
experiência. O mais estranho é que, depois de ter tido consciência disso,
quando a minha ida era dessa vez por vontade própria, dei de cara com a igreja
fechada. Por algum motivo, que soube depois, a missa fora adiada e todos já
haviam ido para as suas casas. Eu que agora queria entrar na igreja já não
podia mais.
Toda
essa experiência, do começo ao fim, foi muito significativa para mim. Isso me
aconteceu há uns vinte anos atrás e resolvi escrever agora a fim de estimular
outras pessoas a terem atitudes ao passar por circunstâncias semelhantes. Aconteceu
comigo, mas, pode acontecer com qualquer um.
Ajudar
ao outro é o modo mais eficiente de aprendermos mais sobre nós mesmos.
4 comentários:
Ivana voce é uma pessoa que precisa ser imitada por muita gente
Cada vez que leio suas postagens
me surpreendo coma sua capacidade e generosidade.
Que bom seria se o mundo tivesse pelo menos a metade de pessoas assim. Com certeza seria bem diferente. Um grande abraço .
Por sorte ainda existem muitas pessoas boas. Cada uma do seu jeito, ajudando. Que Deus te abençoe, minha amiga. Muito obrigada pelas palavras gentis. Bjs
Eu estava com saude das suas postagens. Não deixe de lado o seu potencial. Continue escrevendo mesmo sabendo que os blogs estão esquecidos . Sou sua seguidora sempre Bjs.
A vida nos presenteia com esses momentos, não é amiga? Sua ação foi de uma nobreza imensa, pois mostrou amor ao próximo. E vamos vivendo e lendo! Francisco Martins
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