domingo, 13 de abril de 2014

NÓS FABRICAMOS OS BANDIDOS


Eu me poupo de assistir a esses programas pseudojornalísticos, de caráter meramente sensacionalista, porque não suporto mesmo os hipócritas discursos inflamados de seus apresentadores.  Não vou me deter em justificar essas minhas acusações e, ainda por cima, acrescento que, considero desrespeitosas as imagens chocantes que eles apresentam.

Todavia, não posso deixar de concordar que eles veiculam de verdade a realidade “nua e crua” da nossa sociedade. Ou, pelo menos, da parte podre dela.

Ontem, por acaso, assisti por uns dez minutos a um desses noticiários. Foi o tempo suficiente para ver ao vivo e em cores dois assassinatos registrados, em um único dia, em São Paulo, por câmeras de seguranças. A leviandade e a frieza com as quais se tiram a vida humana estavam lá, claramente expostas, e repetidas dezenas de vezes sob os gritos teatrais do apresentador. Ele, ainda fazia questão de confirmar que estava certo na sua previsão: - Eu bem que avisei... – Dizia ele referindo-se a sua afirmação de que o sábado, 12 de abril de 2014, seria extremamente violento na cidade de São Paulo.

Este mesmo programa também mostrou, nesses dez minutos em que eu assisti, a prisão de alguns bandidos responsáveis por atos de extrema crueldade com as suas vítimas. O pior deles, se é que pode haver alguma classificação em atos desumanos, tratou de um jovem perito em praticar assaltos a idosos e, utilizando as palavras do apresentador “Deixar a sua assinatura” quebrando o nariz do idoso que ele assalta.

Sobre esse caso, a minha filha fez uma constatação muito pertinente, dizendo que uma criatura dessa chegou ao topo da indiferença com o outro ser humano. Não há mais nele nenhum tipo de sentimento de empatia, nenhuma referência de compreensão do outro ou de compaixão.

Pergunto - O que pode ter acontecido na vida de uma pessoa para torná-la “isso”?

            O apresentador, na sua “demonstração de ira e indignação”, declarava que – “São pessoas que já nascem com a genética do mal!”. Embora saibamos que existem caso de psicopatologias provocadas por algum tipo de deficiência no cérebro, é comprovado que, na maioria das vezes, o desenvolvimento desses distúrbios ocorrem por fatores de ordem psicológica, ou seja, provocados por traumas e por sofrimentos que de alguma forma essas criaturas estiveram expostas.

Reconhecer essa construção psicológica que fabrica centenas de indivíduos violentos e perversos nessa sociedade desigualitária, não significa dizer que “estamos passando a mão na cabeça dos bandidos”. Significa reconhecer a culpa de todos nós pela triste condição de vida social que temos hoje no nosso país. Não somente nas capitais, mas também as pequenas cidades dos interiores, antes refúgios de paz, hoje locais expostos à essa violência desenfreada.

E onde está a nossa culpa? Está, principalmente, lá no princípio, no descumprimento do mandamento cristão “Amar o próximo como a ti mesmo”. Nenhuma outra lei precisaria ser criada se essa fosse realmente cumprida. Não se trata de pregação religiosa, mas, de uma sabedoria repassada até nós que, independente de crença ou fé, não pode ser negada a sua eficiência se considerada e praticada por todos nós.

Mas, “amar o próximo como a ti mesmo”, dito assim, sem detalhamento, pode parecer algo muito subjetivo, passível de várias interpretações. Para mim, não. Para mim está muito claro que se eu amar o próximo como a mim mesmo, jamais poderia me considerar feliz tendo um teto para morar enquanto o meu próximo também não o tivesse, ou qualquer que fosse meus bens tendo eu, faltasse a ele. Confesso sem falsa bondade que não me sinto confortável passando sozinha em meu carro por paradas lotadas de pessoas em situações totalmente desfavoráveis e até desumanas.

O que posso fazer? Acreditar que todo mundo merece ter um carro igual a mim, ainda que não tenha o empenho e a luta que eu tive para adquiri-lo? Não. Não se trata de forma alguma dessa opção. Amar aos outros significa permitir a todos as mesmas oportunidades que eu tive, de família, de carinho, de cuidados, de educação e, principalmente de amor.

Isso é utopia? Falo de algo totalmente impossível para o mundo atual? Acredito estar falando de algo totalmente difícil e complexo para se realizar em termos macros. Porém, se cada um de nós, cada “pessoinha”, cada indivíduo assumir em pequenos atos e até em grandes atos o exercício diário de observar os outros, de compartilhar, de ajudar, de possibilitar oportunidades... As sementes irão ser plantadas.

Aos pais, uma lição: Não é suficiente garantir aos seus filhos boas escolas para estar assegurar a sua educação. Boas escolas, em alguns casos, asseguram somente os conhecimentos necessários para seus filhos estarem aptos para a competitividade social. A educação dos filhos quem garante são os pais, família, os adultos que estão envolvidos com a criança.  A garantia da educação está, sabemos, principalmente no exemplo, mais do que nas orientações teóricas.

As escolas não podem ser responsabilizadas sozinhas pela educação total dos indivíduos. Não adianta investir em educação escolar enquanto a sociedade estiver falida, enquanto as famílias não forem parceiras das escolas e cobradas por isso. A escola não é um lugar de milagres. Todavia, essa ainda é a instituição que representa a principal coluna de uma sociedade. Se contar com a família, aí sim, é possível acontecer a educação. E a família, por sua vez, só tem possibilidade de contribuir com a escola se lhes for permitido ter as condições de uma vida digna e tranquila.

Para que uma sociedade deixe de fabricar bandidos é necessário primeiramente desmistificar a crença de que bandido só nasce na pobreza. Isso seria verdade se estivéssemos nos referindo a pobreza no sentido geral, não somente econômica, mas de ausência de todos aqueles valores e condições que já falamos.

Está claro que não é na pobreza econômica que nascem os que desviam os dinheiros públicos que deveriam ser investidos na educação, na saúde e na segurança de nossa sociedade. Eles são os “verdadeiros” bandidos que deveriam estar lotando as cadeias. Ao invés disso, são reeleitos constantemente graças a “educação” escolar que os permitiu desenvolver uma habilidade de discursos inteligentíssimos, capaz de enganar até aos eleitores.

Finalmente, penso que não adianta a hipocrisia de “amarrar bandidos ao poste”, de levantar bandeiras para fazer justiça com as próprias mãos linchando esses infelizes. Eles merecem sim, estar preso, junto com os “bandidos de colarinhos brancos”. Aí, sim, feita essa faxina, a sociedade deve se empenhar em projetos de investimento humano baseado na premissa de “amar o próximo como a ti mesmo”.

Mas, não podemos esquecer que, apesar de tudo, eles, os bandidos, de todas as espécies, são também os “nossos próximos” Assim, associadas às punições merecidas, eles devem ter oportunidades reais e humanas de se regenerar.

            (Ivana Lucena, 13/04/2014)

domingo, 6 de abril de 2014

QUEM SOU?


- Escritora. Já quase me convenci de outras vezes que era. Mas eu leio muito, sei o que é um escritor. Estou
certa de que posso até escrever bem, mas... Escritora? Não. Não me atrevo nunca a dizer que sou.

- Poetisa. Achei-me poetisa, diversas vezes. Gosto de escrever poesias, mas, também não. Isso eu não quero afirmar de mim. Escrevo somente quando gosto, lá uma vez na vida, quando estou a fim. Poesia é assim, pra mim, apenas saciar a vontade de botar pra fora o que me ecoa por dentro. Seria pretensão tomar assento por igual aos verdadeiros poetas.

- Cantora. Ah, isso sim. Já quase acreditei mesmo que sou. Adoro mesmo cantar. Porém, seria injusto e imprudente declarar isso de mim. Eu que não nunca ensaio; não treino técnicas; não tenho disciplina... Não há como me comparar a um cantor, seria injusto. E além de tudo, fico insegura diante do público, somente sozinha, ou bem à vontade, consigo demonstrar meus talentos. Poderia eu sair assim dizendo que sou cantora?

- Desenhista. Até já me passou pela cabeça de ser. Desde criança, adolescente, costumava reproduzir ampliando e dando toques criativos nos corpos nus das moças dos calendários de carteiras. Todavia, com o tempo, aos poucos, fui abandonando o desenho. Nunca me aperfeiçoei. Hoje ainda desenho, mas é assim, desenho o que eu quero, quando quero, como quero e quando quero, sem intenção de ser desenhista mais.

- Atriz, comediante. Gosto demais de atuar sim, mas sem profissionalismo, no meio de amigos. Apenas me delicio fazendo os outros rirem. Jamais diria ser uma atriz ou uma comediante.

- Psicóloga, psicanalista... Por muito tempo e por muitas vezes acreditei que nasci pra isso. Naturalmente sou procurada pelas pessoas para ouvi-las e aconselha-las. Por diversas até me surpreendo com a sabedoria das orientações que sou. Não sei de onde elas vêm, mas, sinto-me totalmente insegura, despreparada e, além de tudo, nunca estudei pra isso, até tentei, mas, não tenho formação e não posso dizer que sou.

- Espiritualista; religiosa... sei lá. Já estudei. Até me formei nessa área. Li muito, pesquisei e  ainda é uma área que gosto de pesquisar. E no que deu? Hoje sou agnóstica. Praticamente não cheguei a lugar algum. Sou questionadora demais para ser uma pessoa de fé. Fé em um único ser superior. Porque fé nas pessoas, essa eu tenho. Na capacidade de cada um, que acreditando, seja em quem for que apegue a sua fé, consegue realizar seus milagres e bênçãos. Então, religiosa, isso jamais eu nem ninguém diria que sou.

- Professora. Foi aqui que descobri a única profissão capaz de continuar sendo todas as outras. Mas, uma mestra, uma educadora de verdade, também isso, do modo que penso que deveria, não afirmo que verdadeiramente sou. Para tal, deveria ser mais empenhada, mais tolerante, mais estudiosa. Não, não sou.

- Então, volto outro dia. Ou nunca mais, ou sempre, quem sabe. Talvez todos os dias, eu volte aqui para me fazer a mesma pergunta:

- Quem sou?
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