quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

CARTA AOS AMIGOS SOBRE A MINHA EXONERAÇÃO


Natal, 22 de fevereiro de 2012
Queridos amigos,
Estive como gestora do CMEI Saturnina Alves de Lucena, no bairro de cidade nova,  em Natal, RN, desde o ano de 2008 até o dia 17 de fevereiro, véspera de carnaval, quando fui surpreendida com a minha exoneração, juntamente com mais 24 outras gestoras e gestores de CMEIS.
Não pretendo questionar o inquestionável, o direito da prefeita sob os cargos comissionados de nomear e exonerar quando considerar conveniente e necessário. E, contrariando as ideias de muitas pessoas que acreditam ser o ideal em momentos como esse, nos recolhermos e aceitar o que “não tem jeito”, acho-me no direito e no dever de declarar o meu pensamento diante do que aconteceu.
Sinto que eu, assim como os demais colegas exonerados nessas circunstâncias, alguns até anteriormente a nós, esperávamos ser tratados com o devido valor e respeito que merecem os que trabalham de forma integra e dedicada pela qualidade da educação.
Ser exonerado dessa forma, sem nenhuma comunicação, imprime em nós uma sensação de “profissional descartável” e a falta de informação e clareza para os demais colegas da nossa categoria gera um desconforto ainda pior: não sendo declarado o motivo da nossa exoneração, muitas especulações podem ser levantadas, inclusive duvidas com relação a nossa idoneidade e moral.
Assim esclareço: estamos saindo do nosso cargo, antes do termino do mandato publicado em diário oficial para o ano de 2013, contrariando a opinião das educadoras, funcionários e pais de alunos que se fossem democraticamente ouvidos poderiam apresentar a avaliação que fazem do nosso trabalho e já manifestaram na instituição a desaprovação desse ato.
Agradeço, em meu nome e de todos os gestores e gestoras que tiveram o mesmo tratamento que eu, a todos os amigos que fizemos durante essa jornada, nos CMEIS e na Secretaria de Educação, o apoio, consideração e respeito. Lamento que a qualidade da educação seja sobrepujada pelos interesses políticos eleitoreiros. E, para finalizar cito a mensagem dada a mim por um desses amigos: “Enquanto tiver voz, fale; enquanto tiver braços, estenda e aponte. Seu profissionalismo, o seu SER está acima de todos os teres.”
Um abraço.
Ivana Lucena

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"EU ME FAÇO UM INSTRUMENTO DA NOSSA PAZ"


Antes de postar no Blog, ou até de começar a escrever algumas coisas que acontecem comigo, me vem sempre o receio de parecer pretenciosa ou de querer me enaltecer com os atos. Todavia, a vontade de contar o que experimento é muito forte e não me contenho, acabo socializando para os meus amigos e leitores. As experiências que tenho publicado, relacionadas à solidariedade tem sido sempre com o intuito de anunciar às pessoas de que qualquer uma no meu lugar poderia fazer o mesmo e, felizmente, alguns fazem.
Pois bem, tudo isso que falei, todo esse “arrodeio”, como diz o povo por aqui,  foi simplesmente para justificar a experiência que irei contar agora.
Embora, confesso, que em muitos momentos da minha vida eu tenha duvidado da existência de Deus ou de qualquer realidade pós morte, ao mesmo tempo tenho experimentado situações que atingem uma parte de mim que vai muito além do racional. Sim, claro, somos emocionais, mas exatamente essa condição que me dificulta crer na ausência total de uma razão para eu existir.
Vamos ao caso. Eu estava vindo nesse domingo de carnaval, por volta das duas horas da tarde, por ali, cortando as ruas de candelária no sentido da Cidade da Esperança para o Centro Administativo. Os vidros do meu carro não estavam totalmente abaixados, devido aos cuidados que sempre tenho com medo de roubos, assaltos, essas coisas. As ruas estavam bastante desertas devido o carnaval e, embora estivesse com o som ligado em “Chiclete com Banana”,  eu estava também atenta para o meu redor. 
Quando parei no semáforo novo que fica no cruzamento da rua do ginásio do DED e a av. Prudente de Morais, Por um instante me virei para a direita e vi um menino, com idade aparente de treze ou quatorze anos, subindo a ladeira com um skate na mão, olhei para ele que me fitou nos olhos. Desviei o olhar para a frente mas algo me incomodou, eu havia traduzido naqueles olhos alguma mensagem  de pedido de ajuda que eu não tinha entendido direito, se não houvesse me enganado também.
 Olhei novamente, o mesmo olhar, ainda subindo a ladeira e dessa vez já quase passando por trás do meu carro para seguir o seu caminho. - Eu iria perdê-lo - pensei - Se acaso estiver precisando de ajuda?
Nesses momentos (é isso o que eu quero transmitir) eu nunca penso em deixar pra lá, nunca penso que outra pessoa pode ajudar ou que pode não ser nada. Eu penso, se não for nada, melhor ainda, mas se for eu estou ali para ajudar. 
 Então, botei a cabeça para fora do carro e perguntei: - Meu filho, aconteceu alguma coisa? – Ele voltou um passo atrás e visivelmente controlando o choro, me fitando, quase sem conseguir falar, soltou – Levaram o meu celular.
Entendi no mesmo instante o que aconteceu e disse-lhe, buscando um tom de voz que transmitisse confiança, o que ele buscou também encontrar o tempo inteiro em meu olhar – Entre aqui que eu vou lhe deixar em casa. 
No caminho, que foi bastante curto, procurei conversar para entender direito o que havia acontecido, tentando acalmá-lo e deixando-o a vontade, sem bombardeá-lo de perguntas. Perguntei como foi que aconteceu e ele, com aquele “choro preso” falou que um rapaz puxou a faca para ele e mandou que “passasse” o celular. Não tinha mais ninguém por perto, ele me disse e certifiquei-me também de que ele não tinha sido machucado fisicamente. Porque emocionalmente eu estava vendo o que o bandido provocou nele.  Busquei convencê-lo de que essas coisas, infelizmente, acontecem todos os dias (quase me vi informando que era uma coisa normal). Tentei fazer com que compreendesse “a sorte que teve” por não sair ferido, por ter perdido apenas o celular... 
Chegamos finalmente em sua casa, desci do carro junto com ele e fiquei diante da porta, ao seu lado, esperando enquanto a mãe ou a avó, por quem ele chamava viesse atender. Veio a avó, uma senhora aparentando ser apenas um pouco mais velha que eu e que me pareceu bastante familiar. 
Deixei que ele respondesse a sua pergunta – O que aconteceu? – Mas, vi que não iria conseguir, a voz já estava muito embargada pelo choro que segurava e quando chegou na palavra “faca” ele gaguejava tão fortemente que só conseguia pronunciar a primeira silaba repetidamente. Resolvi contar eu mesma e transmitir o controle que já estava estabelecido na situação, “o pior já havia passado”.  Enquanto a minha conversa com a avó continuava e dessa vez já se encaminhava para o esclarecimento de que ela fora minha professora na faculdade, o menino, cujo nome nem sei, entrou para o refugio da sua casa, certamente para derramar toda a sua tristeza, revolta, mágoa, medo e sei lá mais quantos sentimentos ficam dentro de uma criança, um jovem ou de qualquer pessoa quando passa por uma situação de violência.
Seguindo o meu caminho para casa, eu também soltei o choro que estava preso em mim, precisava ser grata a alguém que não fosse eu mesma pela oportunidade de servir. Eu sinto que essa necessidade de gratidão não é apenas uma coisa cultural, ensinada pelos que me educaram, é algo que vem de dentro de mim, que não me faz sentir diminuída ou sem discernimento para compreender as minhas qualidades éticas de solidariedade, mas soa como um alarme que anuncia algo muito mais forte a ponto de me deixar abalada e extasiada numa alegria me reconhecer como um instrumento de paz que certamente não me faz diferente de ninguém, mas poucos de nós estão atentos para “olhar novamente”, antes de seguir em frente em certos momentos.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O CÂNCER DA VIOLÊNCIA


“Eu olho nos olhos desse "delinquente" e vejo no que "uma criança" pode se transformar em uma sociedade doente como a nossa. Daí a ferida acaba se abrindo e virando um câncer terminal que atinge a todos nós.”.

Esse foi o comentário que consegui fazer na foto publicada no facebook, do adolescente que participou de um assalto a uma padaria da nossa cidade no dia de ontem, deixando vários feridos a tiro e uma jovem paraplégica.

Acima do meu comentário, vários outros demonstravam o sentimento das pessoas diante de tanta violência e brutalidade cometida.  Desejar que ele “apodreça na cadeia” é um resumo do que se passa na cabeça de um cidadão que se vê acuado e em papeis invertidos, ou seja, ele morando “atrás das grades” dos portões e muros altos das suas casas, enquanto seres que há muito perderam o caráter humano, rondam à espreita para atacar sem dó nem piedade para roubar, muitas vezes, objetos que sequer valem o desconforto e os traumas causados pela violência, que dirá a vida humana ceifada com tanta crueldade, como se tem assistido.

Esperar que a policia dê conta de todo esse “lixo” que produzimos durante anos e anos de descaso com as nossas crianças, nossos jovens e, principalmente com a população mais carente da nossa sociedade é atribuir a uma só categoria a responsabilidade que pertence a todos nós.

Sim, é verdade que quando se transforma em “câncer” muito pouco podemos fazer. Mas, ainda assim, se houvesse uma politica correta de reabilitação de presos, muitos deles poderiam se recuperar e ter uma nova chance para refazer a sua forma de viver.

De tudo o que o governo poderia fazer “e não tem feito” investir na educação e cuidados com as nossas crianças e as suas famílias é ainda a única vacina capaz de evitar essa doença chamada violência que aos poucos vem se tornando uma epidemia, levando a vida de muitas pessoas inocentes e deixando um sofrimento profundo nos que ainda sobrevivem a ela.

E não devemos esquecer de uma coisa: “O governo”...? Somos nós. Lá estão os representantes que nós elegemos. Assim, muito cuidado com os critérios que você usa para atribuir seus votos, para que o arrependimento não venha tardio e reste a nós apenas o sofrimento.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

COMPARTILHANDO A SAUDADE DA FILHA


A minha filha do meio, com dezoito anos, partiu neste sábado de madrugada para o outro lado do oceano atlântico. Assim como na história do filho pródigo, eu não pode impedi-la de ir. Mas, ela foi de uma forma segura, cercada de zelos, para a casa de pessoas amigas e já deu noticias de que chegou bem, de que “a neve é linda” e que a saudade já aperta.

Estou eu, do lado de cá, como todos devem imaginar, com o coração apertado, e dividido. Um lado torce pelo sucesso dos seus planos, para que ela construa a vida que sonha por lá, o outro lado torce para que seja apenas um passeio e que volte logo para casa. Parte de mim acredita que a vida é melhor próxima à família, mas, outra parte concorda com a outra filha – Como podemos dizer que a vida é melhor aqui com tanta violência e insegurança pelas ruas? – É difícil mesmo concorrer com o lugar para onde ela foi, onde o índice de violência é praticamente 0 e o padrão de vida é um dos melhores do mundo.

Nesse caso, o meu lamento é em dobro. Resta-me pouca defesa para argumentar em favor do nosso país. Muito pouco fora a sua beleza natural e a beleza de muita gente que ainda há para se considerar. Infelizmente o argumento da insegurança é imbatível e sentimo-nos impotentes diante dessa realidade. No fundo, o nosso coração de mãe, que deseja sempre o filho por perto, diante dessa realidade, seguindo o seu instinto, só pode desejar colocar os filhos no lugar mais seguro que encontrar. Mesmo que seja diante dela.

O que eu posso querer para a minha filha? O amor acaso não é incondicional? Ninguém é louco para afirmar que é fácil conviver com a separação. Toda separação é dolorida e tradando-se de filho a intensidade da dor parece ser triplicada. O único alivio é a certeza do bem estar dele. A felicidade dos filhos é o bálsamo para tratar qualquer sofrimento do coração materno, toda mãe sabe disso.

Assim, compartilho com vocês essa saudade. E ainda me considero uma pessoa de muita sorte. Muitas mães, não tem, como eu, a esperança de reencontrar mais seus filhos nem condições de conversar com eles, ainda que seja à distância, pois a violência já os levou para sempre.

Não era para ser assim.
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