De frente para o portão do condomínio, ainda discutia consigo mesma sobre a razão de voltar ali, mais uma vez. Tentava convencer-se de que a situação era diferente, afinal, a ligação que recebera ontem a noite deixava claro que ele não estava bem e, “só por isso”, ela tomou a decisão de vê-lo.
Abaixou o vidro do carro para identificar-se na portaria. O olhar que o porteiro lançou parecia acusa-la de ser incapaz de manter a palavra.
– No mínimo ele deduz que se eu demorei a vir aqui é porque teria tomado vergonha na cara, de uma vez por todas e não voltaria mais. – pensava isso, enquanto a razão lhe chamava de volta – Que bobagem, o que saberia este pobre porteiro do papel de besta que venho desempenhando há quase um terço da minha vida? – Ainda poderia dar a volta no carro e ir embora. – Mas aí sim... - pensou, novamente – chamaria a atenção do porteiro e de todos ali. Isso poderia recobrar a lembrança deles sobre aquela noite infeliz em que mais uma vez a promessa de um encontro cheio de alegrias e amor, transformou-se, sem “quê-nem-mais” em uma praça de guerra.
Apesar de todo o esforço para convencer-se do contrário, aquela ida ao seu apartamento, às sete da manhã, parecia em tudo com a rotina que tinha se estabelecido desde que ele havia sido demitido do emprego.
Tinha momentos em que perdendo a paciência jogava-lhe na cara o quanto “sem futuro” ele havia se tornado e em outros deixava-se levar pelo lado “samaritano” de tentar ser mais compreensiva e dar-lhes outra chance.
Aliás, outras chances, pois essa coisa de que - além dela, não havia mais ninguém no mundo capaz de compreendê-lo.- foi fermentada em sua mente e durou por todos esses anos.
O que verdadeiramente ela tinha certeza era de que possuía um limite. Só não sabia ao certo em que tempo este chegaria. Muitos lhes afirmava que – Nunca!
Agora, parecia, enfim que o limite chegara. As suas chantagens e promessas ilusórias já não surtiam o tal resultado enfeitiçador e antes. Já não sofria tanto a sua ausência. Descobriu que era capaz de respirar sozinha.
Mas, se assim fosse, o que significava estar ali novamente, atendendo a mais um chamado seu? – Essa era uma incógnita, já que se recusava a crer que haveria se enganado a respeito do seu limite. – Limite de tolerância. – Limite de amor próprio. – Limite de não deixar-se persuadir. – Limite de independência. – Limite de vergonha na cara...
Apanhou a chave embaixo do prato do vaso de plantas e introduziu-a na fechadura. Começou a deduzir tudo o que se passaria lá dentro. Já havia se preparado em casa para o encontro, a calcinha nova, a pele bem hidratada, depilada, perfumada... – Que loucura estou fazendo de novo? – pensava isso sem a menor força mais para resistir.
A bagunça do apartamento delatava que tudo realmente continuava como antes.
Caminhou até o quarto e lá estava aquele a quem por tanto tempo chamara de “seu homem”, deitado de bruços, com o lençol jogado sobre as pernas e as costas á mostra, de longe sentia o seu cheiro... a armadilha estava novamente armada.
“O lobo” virou-se para a sua presa e disse, em meio a um sorriso largo e irresistível – Tire essa roupa!
Enquanto se despia, ainda discutia consigo mesma, como se fosse capaz de encontrar um meio para não cair naquela cilada. A única constatação possível era – Não deveria ter vindo. – Mas... – Da próxima vez...!